ANISTIA DOS DEMITIDOS NO GOVERNO COLLOR DE MELLO E A VIOLAÇÃO DE SEUS DIREITOS EM SEUS RETORNOS

ANISTIA DOS DEMITIDOS NO GOVERNO COLLOR DE MELLO E A VIOLAÇÃO DE SEUS DIREITOS EM SEUS RETORNOS ÀS FUNÇÕES PÚBLICAS


I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Muitos servidores públicos foram demitidos, sem um motivo jurídico plausível, no início da década de 90, na vigência do mandato do então Presidente da República Collor de Mello.

A falta de critério das demissões e a ausência do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF), foram traços marcantes nas injustas demissões, que trouxeram chagas de muito sofrimento para os desafortunados servidores que perderam seus vínculos públicos.

Essa dura injustiça, que atingiu inúmeras famílias perdurou até a promulgação da Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1994, que concedeu anistia aos servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista que, no período entre março de 1990 e 30 de setembro de 1992, foram exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal.

Ou seja, a Lei nº 8.897/94 apenas reconheceu a grande injustiça feita com inúmeros servidores públicos, que foram demitidos ou exonerados de forma totalmente ilegal.

Apesar da boa intenção do legislador, a prática demonstrou uma grande lentidão da tramitação dos processos administrativos envolvendo os pedidos de anistia de que trata a Lei nº 8.878/94.

E por essa razão, o que deveria ser eficaz e célere, visto que o legislador reconheceu excessos por parte do Poder Executivo, na prática, demorou mais de 10 (dez) anos para que fossem efetivados os retornos dos servidores anistiados, causando mais desconforto e dor naqueles sofridos injustiçados.

Por única e exclusiva culpa da Administração Pública, essa mora no cumprimento da Lei nº 8.878/94 criou verdadeiro hiato, pois o transcurso dos anos estabilizou situações jurídicas que tiveram o condão de alterar o estado de fato e de direito de empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias, etc., e, via de conseqüência, dos servidores demitidos ou exonerados forçadamente.

E para piorar a situação, o artigo 2º, da Lei nº 8.878/94, estabeleceu que o retorno ao serviço público dar-se-ia, "exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação."

Sucede que, após o transcurso de mais de uma década da edição da Lei nº 8.878/94, as readmissões não estavam totalmente implementadas.

Não resta dúvida que esta mora administrativa foi suficiente para criar situações de graves e inconcebíveis prejuízos ao servidor público readmitido, a começar pela extinção de inúmeras empresas públicas e sociedades de economia mista, que foram sucedidas pela União Federal, desaparecendo a função primitiva do servidor anistiado.

Também o regime jurídico dos servidores contratados pela CLT já não pode mais vigir quando de seus retornos, pelo fato de ainda prevalecer a redação originária do artigo 39, da CF, que estabelece o Regime Jurídico Único. Isso porque a ADIN nº 2135/STF restabeleceu a redação inicial do artigo 39, revigorando o Regime Jurídico Único de que trata a Lei nº 8.112/90 para todos os servidores públicos federais.

Esse é o quadro atual, onde se constata um novo e grave prejuízo para os servidores anistiados, que novamente estão sendo "perseguidos" pela Administração Pública, em face da demora na aplicação da Lei nº 8.878/94.


II - DA ILEGAL ADMISSÃO DOS SERVIDORES ANISTIADOS COM VÍNCULO CLT - INCONSTITUCIONALIDADE

Foi assegurado ao servidor anistiado o retorno ao cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação, consoante lição do artigo 2º, da Lei nº 8.878/94. 

Para os fins previstos na Lei nº 8.878/94, o Poder Executivo, no prazo de até 30 dias, na forma do artigo 8º do citado comando legal, se obrigou a constituir Comissão Especial de Anistia e Subcomissões, com estrutura e competência definidas em regulamento.

Sendo estabelecido no § 1º, do artigo 5º, da Lei citada que das decisões das Subcomissões Setoriais caberia recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderia avocar processos em caso de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.

De forma totalmente ilegal e descompassada com a Lei de Anistia em questão, o Decreto nº 3.363, de 11 de fevereiro de 2000, criou uma nova instância revisora, superior à Comissão Especial de Anistia, que foi a Comissão Interministerial, para o reexame dos processos anistiantes de que trata a aludida Lei nº 8.878/94.

Ora, a demissão dos servidores públicos que foi consumada na década de 90, apesar de ter sido inconstitucional, com grave afronta ao direito de defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF), também foi implementada sem que fosse utilizada a regra constitucional da impessoalidade (art; 37, da CF) por vigir critérios políticos, e não técnicos, para a definição dos servidores que iriam se desligar do serviço público federal.

O fato é que o efeito da Anistia, que deveria ser imediato, se postergou pelo transcurso de vários anos (mais de 15 anos), em face da injustificada demora do Poder Executivo em cumprir tempestivamente o disposto na Lei nº 8.878/94.

Essa mora administrativa jamais poderá ser imputada ao servidor anistiado, e muito menos lhe trazer prejuízo em sua esfera jurídica.

Apesar de ser cristalina tal assertiva, na prática não foi o que ocorreu, pois apesar das demissões ou exonerações terem sido efetivadas entre 1990 e 1992, o retorno aos vínculos anteriormente ocupados só se efetivou a partir do ano de 2000, entre 2008 e 2009, ou seja, seróidiamente, após o transcurso de vários anos.

Piorando a situação fática dos servidores anistiados, os mesmos foram convocados para reassumirem as suas funções, retornando ao vínculo anterior, nas mesmas condições em que se efetivaram suas demissões, respeitando o recebimento do último salário, corrigido monetariamente, sendo reassinados os contratos de trabalho, em total afronta ao que vem estatuído no artigo 243, § 1º, da Lei nº 8.112/90.

Essa ilegal situação jurídica, contrária ao que vem estabelecido no artigo 243, da Lei nº 8.112, foi implementada pela Instrução Normativa nº 3, de 8 de março de 1995, do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado, assim redigido, litteris: "1 - Os servidores que à época da demissão ou exoneração eram ocupantes de cargo efetivo pertencente aos planos de classificação de cargos da Administração Direta, autárquica e fundacional, retornarão ao cargo correspondente, no mesmo nível, padrão ou referencia em que se encontravam. 2 - Os empregados que à época da dispensa ou demissão eram titulares de empregos permanentes regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, não podem ser enquadrados em cargos públicos, regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, tendo em vista a vedação de provimento derivado, conforme o disposto no artigo 37, II, da Constituição e as decisões do Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nos 89, 213, 243, 248 e 391."

Como visto, a citada Instrução Normativa nº 3/95 cometeu o equívoco capital de confundir a transformação de emprego público a que alude o art. 243, § 1º, da Lei nº 8.112/90, com o provimento derivado, que é outro instituto totalmente diverso daquele, haja vista que a Lei nº 8.874/94 corrigiu a prática de ato inconstitucional perpetrado pela Administração Pública.

Outro grave equívoco levado a efeito pela Administração Pública consiste em não transformar os cargos dos anistiados de celetistas em estatutários.

Tudo isso ocorreu não por culpa dos Servidores Públicos que ao serem destinatários da Lei de Anistia tiveram seus direitos restabelecidos pelo Poder Público, que mesmo em mora, retroagiu a situação funcional dos mesmos à época das suas demissões, sem que fossem observadas as transformações que as carreiras tiveram no curso dos anos.

Nessa ilegal linha de atuação pública, a Administração Pública enquadrou os Anistiados com base em uma tabela em extinção, regidos pela CLT, em total afronta às leis que regulam a matéria, visto que não promoveu as transformações que foram implementadas em suas carreiras, congelando-os financeira e funcionalmente.

Ou seja, o que deveria ser uma Anistia plena, com reparação integral do dano causado, na prática, o Poder Público continua violando os direitos e garantais dos anistiados, pois a readmissão dos mesmos se dará no regime CLT, no respectivo cargo congelado. 

Em muitas situações, o antigo cargo já não existe mais, pois a entidade pública na qual o anistiado estava lotado foi extinta ou dissolvida, sucedida pela União Federal (art. 20, da Lei nº 8.029/92), dificultando ainda mais a correta aplicação dos direitos dos servidores públicos revertidos aos seus vínculos públicos.

Ao invés da União Federal anistiar seus beneficiários em tempo hábil, ficou inerte, descumprindo os próprios ideais da Lei nº 8.878/94.

Somente em 2008, o Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, pela Orientação Normativa nº 4, de 9.06.2008, estabeleceu procedimentos a serem observados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, relativamente ao retorno ao serviço dos servidores indevidamente demitidos ou exonerados, beneficiados pela Lei nº 8.878/94.

De forma ilegal, o art. 4º, da Orientação Normativa nº 4/2008, assim dispõe: "Art. 4º - O retorno do servidor ou empregado dar-se-á exclusivamente no cargo efetivo ou emprego permanente anteriormente ocupado, ou naquele resultante da respectiva transformação independentemente de vaga para o cargo ou emprego, mantido o regime jurídico a que estava submetido antes de sua dispensa ou exoneração observados os seguintes critérios. (...) III - se empregado de empresas públicas ou de sociedades de economia mista sob o controle da União, permanecerá regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 1943), vinculada ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, de que tratam as Leis nos 8.212 e 8.231, ambas de 24 de julho de 1991; e."

Tal ato é totalmente ilegal, como já dito alhures, pois a readmissão dos anistiados, após todo o transcurso de suas demissões, não pode se efetivar sob o regime da CLT, porquanto o § 1º, do artigo 243 da Lei nº 8.112/90 transformou os empregos em cargos públicos, verbis: "Art. 243 - Ficam submetidos ao regime jurídico único instituído por esta Lei, na qualidade de servidores público, os servidores dos Poderes da União, dos ex-territórios, das autarquias, inclusive em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1711, de 28 de outubro de 1952 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de março de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação." § 1º - Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação."

Ou seja, os empregos públicos dos anistiados, até mesmo aqueles oriundos de empresa de Economia Mista ou de empresa pública, deveriam ser transformados em cargos públicos, pois com a extinção delas os mesmos passariam para os quadros da União Federal antes da edição da Lei nº 8.112/90, e, via de conseqüência, teriam seus empregos transformados em cargos públicos, na forma do § 1º, do art. 243, do RJU.

Nesse sentido, segue o presente julgado do TRF - 1ª Região: "Administrativo. Funcionalismo. Empregados do Quadro do Ministério da Agricultura dispensados durante o governo Collor de Mello. Anistia. Reintegração. 1. O art. 2º da Lei 8.878/94 é expresso em afirmar que o "retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação". 2. Os impetrantes, que eram celetistas do quadro do Ministério da Agricultura quando foram dispensados, devem retornar ao serviço submetidos ao Regime Jurídico Único, em face da transformação em cargos dos empregos ocupados pelos servidores dos Poderes da União, ex-vi do art. 243, § 1º, da Lei 8.112/90. 3. Não existência de direito líquido e certo à opção entre ocupar cargo ou emprego público. 4. Sentença mantida. Apelação não provida."


Com o mesmo brilho, a 8ª Turma Especializada do TRF - 2ª Região, também prestigiou a transformação do emprego público do anistiado em cargo, com todos os direitos oriundos da transformação da carreira, verbis: "Constitucional e Administrativo. Servidor Anistiado. Lei 8.878/94. Regime Jurídico Único ? Art. 243 § 1º da Lei 8.112/90. Procurador do INCRA. MP 2048-26/2000. Reenquadramento com reflexos inclusive com percepção da GDAJ. Princípio Isonômico. Verba Honorária. Observância dos parâmetros legais. 1 ? A norma do art. 2º da Lei 8.878/94 ressalva que o retorno ao serviço de servidores empregados, demitidos à época do governo Collor, far-se-ia no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou naquele proveniente de sua transformação. Não há falar, pois, em situação funcional indefinida, vez que a autora, anteriormente ocupante de emprego, assim readmitida, encontra-se submetida ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112/90, eis que transformados os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos (art. 243, § 1º). 2 ? O servidor readmitido no serviço público, por força da anistia concedida pela Lei nº 8.878/94, é enquadrado no Regime Jurídico Único, não podendo haver distinção entre ocupantes do mesmo cargo efetivo, no que se refere à percepção de gratificações, por força do princípio da isonomia." (TRF ? 1ª REGIÃO, AMS 199901001163341/DF, DJ de 9/12/2004). 3 O art. 40 da MP 2048-26-2229-43 é claro ao dispor que o enquadramento diz respeito aos titulares de cargos de que trata o art. 39 (Procurador Autárquico, Procurador, Advogado, Assistente Jurídico e Procurador e Advogado da Superintendência de Seguros Privados e da Comissão de Valores Mobiliários). Destarte, ocupando a autora cargo de procurador (fls. 19), por ocasião da edição da MP 2048-26, não há que se exigir a estabilidade no serviço público como condição para o novo enquadramento. 4 ? Mantida a condenação ao enquadramento no cargo de procurador federal, a partir de 30.06.2000 (MP 2048-26), com todos os reflexos advindos, inclusive a percepção da Gratificação de Desempenho de Atividade Jurídiciária ? GDAJ, a fim de dispensar tratamento isonômico com os membros da carreira de procurador federal, em situação jurídica idêntica à da autora (classe, padrão, avaliação). 5 ? A condenação em honorários advocatícios, em R$ 2.000,00, observou os parâmetros legais, qual sejam, o grau do zelo dos advogados, o trabalho realizado e o tempo exigido para ao serviço, atento aos parâmetros do CPC, art. 20, § 4º c/ c as alíneas " a", " b" e " c" do § 3o do mesmo dispositivo, bem como ao patamar pretendido pelas apelantes de até 10% sobre o valor da causa, estabelecido na exordial em R$ 20.000,00. 6 ? Remessa necessária e apelações desprovidas."

Inobstante tal determinação legal, é de se destacar que apesar da redação originária do artigo 39, da CF, que estabeleceu a necessidade da instituição de Regime Jurídico Único para o serviço público federal, regulamentado pela Lei nº 8.112/90, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, foi extinta tal obrigatoriedade, pelo que novamente foi possível coexistirem novamente os regimes de contratação estatutário e celetista, visto que foi abolido o Regime Jurídico Único.

Contudo, por vício formal na votação da EC nº 19/98, o STF, pela Adin 2135 MC, restituiu a redação inicial do art. 39, da CF, não permitindo novamente a contração de servidor público pelo regime da CLT, voltando a vigir o único regime estatutário, a que alude a Lei nº 8.112/90.

Isso porque, pela nova redação do art. 39, da CF, o STF, por força de medida liminar, na ADIN 2135 MC, confirmado em seu julgamento, determinou o retorno do Regime Jurídico Único, regulado pela Lei nº 8.112/90, verbis: "Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Poder constituinte reformador. Processo Legislativo. Emenda Constitucional 19, de 04.06.1998. Art. 39, caput, da Constituição Federal. Servidores públicos. Regime Jurídico Único. Proposta de implementação, durante a atividade constituinte derivada, da figura do contrato de emprego público. Inovação que não obteve a aprovação da maioria de três quintos dos membros da Câmara dos Deputados quando da apreciação, em primeiro turno, do destaque para votação em separado (DVS) nº 9. Substituição, na elaboração da proposta levada a segundo turno, da redação original do caput do art. 39 pelo texto inicialmente previsto para o parágrafo 2º do mesmo dispositivo, nos termos do substitutivo aprovado. Supressão, do texto constitucional, da expressa menção ao sistema de Regime Jurídico Único dos servidores da Administração Pública. Reconhecimento, pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal, da plausibilidade da alegação de vício formal por ofensa ao art. 60, § 2º, da Constituição Federal. Relevância jurídica das demais alegações de inconstitucionalidade formal e material rejeitada por unanimidade. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido."

Portanto, o retorno dos anistiados ao regime CLT, além de afrontar o que vem estatuído no § 1º, do art. 243, da Lei nº 8.112/90, fere também o caput do art. 39, da CF, que preconiza pela existência do RJU

O retorno dos anistiados ao vínculo CLT viola também o art. 2º, da Lei nº 8.878/94, eis que "o retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação..."

Assim sendo, os anistiados deveriam ter seus empregos, vínculos CLT, transformados em estatutários (RJU, art. 39, da CF), na forma do § 1º, do art. 243, da Lei nº 8.112/90.

III - ENQUADRAMENTO DOS ANISTIADOS DEVE SER EFETIVADO RESPEITANDO A EVOLUÇÃO DA CARREIRA

Não bastasse a ilegalidade já declinada no tópico anterior, é de se destacar que a União Federal, quando readmitiu os anistiados, por não respeitar a evolução de suas carreiras, colocou-os em quadro em extinção, na função anteriormente exercida, totalmente congelada.

E o absurdo não pára por aí, pois o Decreto nº 6.657/2008, que regulamentou o artigo 310, da Medida Provisória nº 441, de 29 de agosto de 2008, fixou a remuneração de empregados públicos, no quadro em extinção, na função anteriormente exercida, sem observar a transformação da carreira ou a sua evolução.

O absurdo do aludido Decreto nº 6.657/08 é tão grande que seu art. 2º manda calcular e atualizar todas as parcelas remuneratórias a que fazia jus o servidor anistiado na data de sua demissão, sem que fosse observada a transformação do cargo ou do emprego anteriormente, como se infere: "Art. 2º - Caberá ao empregado mencionado no art. 1º apresentar comprovação de todas as parcelas remuneratórias a que fazia jus na data de sua demissão, no prazo decadencial de quinze dias do retorno, as quais serão atualizadas pelo índices de correção adotados para a atualização dos benefícios do regime geral da previdência social, desde aquele data até a do mês anterior ao do retorno."

Ou seja, na prática a Administração Pública abstraiu o que vem estatuído no caput do art. 2º, da Lei nº 8.878/94, e deixou de verificar a progressão/transformação da carreira dos anistiados, para congelar os seus enquadramentos, retroagindo a data de suas demissões, como se fosse possível tal situação, após a fluência de vários anos.


Eis a redação do art. 2º, da Lei nº 8.878/94: "Art. 2º - O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação ..." (g.n.)

O legislador infraconstitucional permitiu que houvesse o retorno dos servidores anistiados no cargo ou emprego anteriormente ocupado, "ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação." (g.n.), para que não voltassem a ser prejudicados quando de seu retorno à função pública.

Fere o princípio da proporcionalidade readmitir os anistiados, após vários e vários anos, em total mora administrativa, mantendo-os "engessados", na situação funcional em que se encontravam antes de seus ilegais desligamentos.

Ora, a readmissão deveria ser implementada imediatamente, e não após o transcurso de mais de uma década, por culpa única e exclusiva do Poder Executivo.

Essa postura do Poder Público fere o próprio plasmado do art. 2º, da Lei de Anistia (Lei nº 8.878/94).

Em sendo assim, não há como punir os anistiados pela segunda vez, pois a Anistia não comporta exegese restrita, com subtração de direitos, pois do contrário seria configurada uma nova punição.

Isto mesmo, a Administração Pública, ao enquadrar os anistiados com base em suas situações funcionais retroativas à data de seu desligamento, regidos pela CLT, com remuneração vinculada ao recebimento do último salário e vantagens corrigidas monetariamente, em um quadro em extinção, não está cumprindo os ditames da Lei nº 8878/94 (art. 2º), porquanto "congelou" a aludida situação funcional, sem implementar a transformação ou progressões ocorridas em suas carreiras.

Exatamente nesse sentido segue o expressivo julgado da lavra da relatoria do eminente Des. Fed. Fernando Marques do TRF - 2ª Reg., no seguinte precedente: Administrativo. Anistia. Servidores Públicos Civis e Empregados da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional. Lei 8.878/94. - Tendo em vista que o art. 2º da Lei 8.878/94 ressalva que o retorno ao serviço de servidores e empregados, demitidos à época do governo Collor, far-se-ia no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou naquele proveniente de sua transformação, os autores, assim readmitidos, encontram-se agora submetidos ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112/90, que transformou os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos, não sendo admitida nenhuma forma de discriminação entre esses e outros servidores de iguais atribuições, lotados no mesmo órgão público e que não chegaram a ser dispensados, permanecendo em serviço, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia e aos próprios preceitos contidos na Lei 8.112/90, mormente o art. 243, § 1º. - Inconteste, desse modo, o direito dos autores, servidores anistiados, à percepção da vantagem denominada GDCT- Gratificação de Desempenho de Atividade em Ciência e Tecnologia, concedida aos demais servidores, que desempenham as mesmas atividades, no mesmo órgão."

A 6ª Turma Especializada, sob a relatoria do citado Des. Federal do TRF - 2ª Região, mantém íntegro o entendimento da impossibilidade de discriminação dos servidores anistiados, visto que são destinatários do restabelecimento de seu pleno direito, como se não fossem demitidos, verbis:"Administrativo. Anistia. Servidores Públicos Civis e Empregados da Administração Pública Federal Direta. Autárquica e Fundacional. Lei 8.878/94. - Tendo em vista que o art. 2º, da Lei 8.878/94 ressalva que o retorno ao serviço de servidores e empregados, demitidos à época do governo Collor, far-se-ia no cargo ou emprego anteriormente ocupado, ou naquele proveniente de sua transformação, os autores, assim readmitidos em 1994, encontram-se agora submetidos ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112/90, que transformou os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos, não sendo admitida nenhuma forma de discriminação entre esses e outros servidores de iguais atribuições, lotados no mesmo órgão público e que não chegaram a ser dispensados, permanecendo em serviço, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia e aos próprios preceitos contidos na Lei nº 8.112/90, mormente o art. 243, § 1º."


Em seu voto condutor, o ilustre Des. Federal Fernando Marques, assim sintetizou a matéria, sub oculis: "Os autores eram funcionários públicos em exercício na Fundação Nacional de Arte - FUNART, quando foram dispensados, à época do governo Collor, sob alegação de necessidade de contenção de despesas na órbita do serviço público. Posteriormente, o próprio Governo Federal, reconhecendo a arbitrariedade daquela dispensa, fez editar a Lei 8.878/94 "anistiando-os", ou seja, readmitindo-os como servidores públicos nos cargos em que ocupavam anteriormente, ou naquele proveniente de sua transformação, nos seguintes termos: ?Art. 1º - É concedida anistia aos servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido: I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal: II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa. III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente caracterizada, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, ao servidor titular de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente à época da exoneração, demissão ou dispensa. Art. 2º - O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e restringe-se aos que formulem requerimento, fundamentado e acompanhado da documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação da comissão a que se refere o art. 5º, assegurando-se prioridade de análise aos que já tenham encaminhado documentação à Comissão Especial, constituída pelo Decreto de 23 de junho de 1993. Da análise dos autos, verifica-se que os autores foram efetivamente readmitidos aos quadros de pessoal da Fundação Nacional de Artes, nos termos da Portaria nº 152, de 24 de novembro de 1994 (fls. 12). Logo, por força do dispositivo legal acima transcrito, o retorno ao serviço dar-se-ia no cargo anteriormente ocupado ou naquele resultante de sua transformação. Desse modo, os autores, celetistas à época da dispensa, retornaram ao serviço público submetidos ao Regime Jurídico Único, instituído pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que transformara os empregos ocupados pelos servidores da União, autarquias e fundações públicas em cargos públicos. Assim, readmitidos os autores, qualquer tratamento diferenciado entre estes e antigos servidores, com as mesmas atribuições, lotados no mesmo órgão público, que não chegaram a ser dispensados, permanecendo no emprego, implicaria violação ao princípio constitucional da isonomia e aos próprios preceitos contidos na Lei 8.112/90, mormente no art. 243, § 1º. Nesse sentido orientação pretoriana, conforme ementas a seguir transcritas: Administrativo. Funcionalismo. Empregados dos quadros do Ministério da Agricultura dispensados durante o governo Collor de Mello. Anistia. Reintegração. Competência da Justiça Federal 1. Compete à Justiça Federal o julgamento das causas em que se discute a transformação de emprego em cargo público referentes àqueles que hajam sido demitidos no governo Collor e posteriormente readmitidos por força da Lei 8.878/94. Ressalvado o entendimento da relatoria que extinguia o feito sem julgamento do mérito por considerar ter a lide natureza trabalhista, competindo à Justiça do Trabalho a competência para dirimí-la nos termos do art. 114 da Constituição Federal. 2. O art. 2º, da mencionada Lei é expresso em afirmar que o ?retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação.? 3. Os impetrantes que eram celetistas do quadro do Ministério da Agricultura quando foram dispensados, devem, portanto, retornar ao serviço submetidos ao Regime Jurídico Único, que transformou em cargos os empregos ocupados pelos servidores dos poderes da União (art. 243, § 1º, da Lei 8.112/90).4. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.(AMS num, 0100085950-8 REG: 01 TURMA 01 DJ 25-09-00 PG: 30 REL: Juiz Aloísio Palmeira Lima). ?Administrativo. Ação Ordinária. Anistia de ex-empregado reconhecido pela comissão criada para esse fim. Lei nº 8.878/94. 1. A Lei nº 8.878/94 ao conceder anistia, não estabeleceu qualquer diferença entre os regimes dos demitidos se estatutário, se celetista, deixando clarividente a sua finalidade: o retorno ao serviço público do servidor ou empregado injustamente afastado no período compreendido entre 16 de março de 1990 a 29 de setembro de 1992. exegese do art. 1º. 2. Precedentes (AC nº 112.498 - Rel. Juiz Ridalvo Costa, julg. 19.02.98, unân.) 3. Apelação parcialmente provida. (AC num. 0503070-7 - Reg: 05 TURMA 03 DJ: 09-10-98 pg: 682 REL: Juiz Nereu Santos). Desse modo, inconteste o direito dos autores a tidas as vantagens e benefícios previstos na Lei 8.112/90, é de se confirmar a sentença apelada."

Outro também não foi o entendimento do então Des. Federal Benedito Gonçalves, hoje Ministro do STJ, quando em exercício no TRF - 2ª Região, ao preconizar pela reintegração do servidor anistiado, restituindo-se o seu status quo ante, litteris: "Processual Civil e Administrativo. Prescrição. Inocorrência. Funcionário Público do Inst. do Patrimônio Hist. Artístico nacional - IPHAN. Lei 8878/94. Anistia. Remessa não Provida. -Não há falar em prescrição, vez que a ação foi protocolizada em 7 de maio de 1999 e o prazo prescricional deve ser contado a partir do ato administrativo que readmitiu o servidor. -Tendo sido o autor "anistiado", através da Portaria nº 252, de 5 de dezembro de 1994, do IPHAN, com base na Lei 8878/94, deve ser recolocado no cargo que ocupava anteriormente, sendo reintegrado ao serviço público, recompondo-se, assim, a situação jurídica ao status quo ante, com o pagamento dos vencimentos e vantagens a que teria direito, caso não tivesse sido demitido, computando-se como termo inicial o da vigência da Lei nº 8.112/90, devendo ser compensados os valores recebidos pelo em virtude da rescisão de seu contrato de trabalho. - Remessa não provida."

Não resta dúvida do acerto das posições declinadas pelo Poder Judiciário, porquanto os anistiados não podem sofrer uma nova perseguição, como a que está ocorrendo em seu retorno, onde se encontram totalmente defasados em seus vínculos jurídicos, como se fossem culpados por suas precoces demissões/exonerações ou pelo tardio retorno ao vínculo público efetivo.

Interpretação diversa fere o plasmado da própria Lei de Anistia, que visa recompor os direitos dos servidores, ilegalmente subtraídos pelo Poder Público.

E o artigo inaugural da Lei nº 8.878/94, concedeu anistia para os servidores ilegalmente demitidos pelo Governo do então Presidente Collor de Mello, com a finalidade de restabelecer, na plenitude, todos os direitos que foram retirados dos servidores indevidamente demitidos.

Para casos como o presente, onde existe o reconhecimento da anistia, a melhor doutrina na vertente democrática, propõe interpretação generosa dos textos onde se contém o instituto.

O saudoso Carlos Maximiliano, também comunga desta hóstia, advertindo: "Decretos de anistia, os de insulto, o perdão do ofendido e outros benefícios, embora envolvam concessões ou favores e, portanto, se enquadrem na figura jurídica de privilégios, não suportam exegese estrita, sobretudo se não se interpretam de modo a que venham causar prejuízo. Assim se entende, por incumbir ao homereuta atribuir à regra positiva o sentido que dá maior eficácia à mesma, relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios seus e da legislação em geral." (g.n)

E Pontes de Miranda recomenda: "Na execução administrativa e na interpretação e aplicação judiciária da anistia, os intérpretes devem, dar aos textos a interpretação mais ampla que seja possível" (g.n)

Na esteira dos doutrinadores imortais, Pinto Ferreira, ao discorrer sobre o tema, não discrepa os entendimentos narrados anteriormente: "O conceito de anistia é muito amplo, porém pode ser restringido ao ser concedida a anistia. Não havendo restrições, a interpretação pode ser a mais ampla possível." (g.n)

Tem-se portanto, que o instituto da anistia é a forma mais ampla de reparação, fazendo desaparecer as dores causadas pelo passado, devendo, dessa forma, ter a interpretação generosa para o anistiado, sem restrições.

E o notável Heleno Fragoso afirma: "Das formas de indulgência soberana, a anistia é a que apresenta mais amplos efeitos"

Estes ensinamentos encontraram ressonância na jurisprudência dominante, sendo afirmado pelo Ministro Washington Bolívar, ainda no extinto TFR, no seu magnífico voto âncora: "A anistia é medida de interesse público, editada por generosa inspiração política e jurídica, para assegurar a paz social, apagando fatos, considerados delituosos, em determinado momento histórico condicionado. Assim, quer na esfera administrativa, as leis de anistia devem ter a interpretação mais ampla que possível, para que as suas normas assumam adequação, eficácia e grandeza." (g.n) 

Este posicionamento foi seguido pelo ilustre Min. Humberto Gomes de Barros no MS n. 1.550-0: "(...) 1. Na execução da anistia política os textos legais devem ser interpretados de modo amplo....." (g.n)


Por fim, como a Administração Pública concedeu anistia, não pode agora restringir direito dos anistiados e enquadrá-los como se as carreiras ficassem estagnadas, sem a transformação que a lei cuidou de fazer para dar conta da própria necessidade do Poder Público de aglutinar determinadas funções jurídicas ou transformá-las, de acordo com o interesse público.

Dessa forma, os anistiados, ao serem readmitidos, estão sendo punidos pela 2ª vez, eis que deveriam ter seus empregos transformados em cargos públicos (art. 243, § 1º, da Lei nº 8.112/90) e, depois, transpostos para a carreira ou cargos proporcionais à evolução de suas próprias situações jurídicas. 


IV - APLICAÇÃO DA ANISTIA INTEGRALMENTE - CONCLUSÃO

Verificamos no tópico acima dois equívocos perpetrados pela Administração Pública, consistente em readmitir os anistiados pelo regime da CLT, sem transformar os seus empregos em cargos públicos, regidos pela Lei nº 8.112/90, e o retorno dos mesmos no cargo correspondente, após a devida evolução da carreira.

Essa mora administrativa não pode ser imputada aos anistiados, que tempestivamente requereram a declaração da Anistia.

Em sendo assim, quando o artigo 6º da Lei nº 8.878/94 afirma que "a lei só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo", esperava que a Administração Pública fosse célere e não morosa no restabelecimento dos vínculos jurídicos ilegalmente dissolvidos.

Ao desprezarem o princípio da eficiência e da celeridade, a Administração Pública trouxe para si o dever de reparar aos anistiados, pela injusta e indevida demora no restabelecimento de seus vínculos jurídicos.

Ratificando o que foi dito, o STJ pacificou o entendimento de que deve haver efeitos retroativos da reparação econômica da Anistia, em face da mora da Administração Pública: "Administrativo. Anistia. Servidores e Empregados Públicos. Plano Collor. Direito à reintegração. Reconhecimento. Efeitos retroativos da reparação econômica. Inteligência da Lei Federal 8878/94. Manutenção dos fundamentos do acórdão recorrido. Recurso Especial desprovido. 1. A lei federal 8878/94 concedeu anistia aos servidores e empregados públicos que preencherem os requisitos discriminados em seus artigos 1º, 2º, 3º e 4º, e que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido ilegalmente e inconstitucionalmente demitidos. 2. A questão da indenização aos servidores e empregados públicos anistiados deve ser mantida nos termos do acórdão recorrido, o qual manteve a sentença de primeiro grau. Nesse sentido, o artigo 6º da lei 8878/94 estipula que é vedada remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo, todavia remuneração não é o mesmo que reparação. O instituto da indenização envolve ato de reparação por dano causado e lesão sofrida. Ademais, não pode ser considerado retroativo o efeito da condenação, se a sentença determinou que a indenização teria como termo a quo a data do deferimento do pedido de reconhecimento do direito à anistia, ou seja, a data em que a Subcomissão de Anistia deferiu, administrativamente o pedido. 3. A intenção do legislador da lei 8878/94, ao condicionar o retorno das atividades profissionais dos servidores ou empregados públicos às necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da Administração, não pode ser entendida como condição a ser perpetuada, sob pena de inviabilizar o espírito da própria lei, que objetivou sanar uma das arbitrariedades cometidas pelo governo Collor. 4. Recurso especial conhecido, mas desprovido, para manter o acórdão recorrido em seus exatos termos." 

Nesse julgado, a 5ª Turma do STJ fez a devida consideração sobre os institutos da remuneração e indenização, ressaltando que a indenização não é remuneração, mas reparação e, mesmo o art. 6º, da Lei nº 8.878/94 vedando o efeito retroativo, a intenção do legisladora era a a de que a Anistia fosse implementada tempestivamente, como se observa da seguinte passagem do julgado sub oculis: "Conforme consignado pelo acórdão recorrido, a lei federal 8878⁄94 concedeu anistia aos servidores e empregados públicos que preencherem os requisitos discriminados em seus artigos 1º, 2º, 3º e 4º, e que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido ilegalmente e inconstitucionalmente demitidos. Assim, a técnica legislativa da lei 8878⁄94, na interpretação do acórdão recorrido, envolve duas etapas: 1ª) examinar a condição genérica de anistiado (artigo 1º) e 2ª) a análise da possibilidade de retorno ao serviço (artigos 2º e 3º). A questão da indenização, propriamente dita, deve ser mantida nos temos do acórdão, o qual manteve a sentença de primeiro grau em seus exatos termos. Com efeito, indenização não é remuneração, mas reparação. O artigo 6º da lei 8878⁄94 estipula que é vedada remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo, mas conforme já consignado remuneração não é o mesmo que reparação. O instituto da indenização envolve o ato de reparação por dano causado e lesão sofrida. Deveras, o acórdão recorrido no tocante à questão da indenização manteve integralmente a sentença de primeiro grau, a qual dispôs que a intenção do legislador da lei 8878⁄94, ao condicionar o retorno das atividades profissionais dos servidores ou empregados públicos às necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da administração, não pode ser entendida como condição a ser perpetuada, sob pena de inviabilizar o espírito da própria lei, que objetivou sanar uma das arbitrariedades cometidas pelo governo Collor."

Portanto, o reconhecimento do direito à indenização (pagamento das remunerações) deverá ser retroativo ao reconhecimento da anistia por parte da Sub-Comissão da Anistia, conforme lição do REsp 864760, litteris:"Acrescentou a sentença, mantida pelo acórdão, que o entendimento acima exposto está corroborado no artigo 4º da própria lei 8878⁄94, no qual há determinação para que a Administração Pública Federal e as empresas públicas da União guardem vagas para os postulantes habilitados na forma do mencionado diploma legal. Dispõe o artigo 4º da lei 8878 de 11 de maio de 1994: Art. 4º A Administração Pública Federal e as empresas sob controle da União, quando necessária a realização de concurso, contratação ou processo seletivo com vistas ao provimento do cargo ou emprego permanente, excluirão das vagas a serem preenchidas pelos concursados o número correspondente ao de postulantes habilitados na forma desta lei para os respectivos cargos ou empregos. Ademais, não há que se falar em retroatividade, porquanto o marco inicial para a fixação da indenização corresponde à data do deferimento do pedido de reconhecimento da anistia por parte da Subcomissão da Anistia. Destarte, o acórdão recorrido não negou vigência ao artigo 6º da lei 8878⁄94 ao manter a sentença quanto aos termos fixados para a indenização decorrente do reconhecimento do direito do ora recorrido à reintegração em cargo anteriormente ocupado, porquanto a União não pode perpetuar a situação de espera do servidor à sua reintegração."


Sendo certo que, para fins da Lei nº 8.878/94, apenas deveria ser criada a Subcomissão Setorial, e a Comissão Especial de Anistia, instância recursal, consoante lição do art. 5º da citada lei, litteris: "Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado. § 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir." 

De forma ilegal e contrária ao citado art. 5º, da Lei nº 8.878/94, o Poder Executivo criou nova instância revisora superior à Comissão Especial de Anistia, que foi a Comissão Interministerial, através do Decreto nº 3363/2000, para o reexame dos processos anistiantes, retardando, ainda mais, o retorno dos anistiados.

Por essa razão, os anistiados não retornaram ao serviço público em 1994, quando do deferimento de seus pleitos pela Comissão Especializada de Anistia, por culpa única e exclusiva da Administração Pública, que através do Decreto nº 3.363/2000, postergou os respectivos retornos até os anos de 2008/2009.

Por essa razão, o poder público retardou indevidamente o retorno dos anistiados aos seus cargos públicos, devendo arcar com a respectiva reparação, visto que a sua mora foi lesiva aos legítimos interesses dos injustamente demitidos/exonerados.

A Lei de Anistia tem como escopo reparar as injustiças praticadas, com o restabelecimento dos direitos e das vantagens ilegalmente suprimidas dos anistiados.

Se não fosse assim, não teria razão de coexistir no cenário jurídico.

E note-se bem como o legislador, apesar de utilizar-se do instituto do retorno, e não da reintegração, anistiou os servidores inconstitucionalmente demitidos. Ora, a anistia possui o efeito da própria reintegração, por ter a força de restabelecer todos os direitos e vantagens ilegalmente subtraídas do servidor.

Ao ser anistiado, o efeito jurídico será o mesmo da reintegração, a exceção das parcelas retroativas, devidas pela ilegal ruptura do vínculo jurídico do servidor público com o seu ente empregador, que não foi reconhecida pelo legislador.

Essa foi a razão do texto legal grafar o instituto do retorno.

Sucede que, na prática, o retorno deveria transformar em verdadeira reintegração, pois o reconhecimento da anistia já pressupõe uma reparação funcional plena, sem limitações, pois, do contrário, estar-se-á violando o próprio significado da lei anistiante.

Portanto, conclui-se:

- a anistia política de que trata a Lei nº 8.878/90 possui o condão de restabelecer a situação jurídica, ilicitamente desfeita pelo poder público;

- na aplicação da lei da anistia, a interpretação deve ser ampla, e não limitadora;

- a mora administrativa na efetivação do retorno dos anistiados, gerou o direito aos anistiados de não sofrerem prejuízos da ativação de seus vínculos jurídicos;

- é inconstitucional a manutenção do vínculo CLT, bem como o enquadramento do anistiado com base no seu último cargo e salário corrigido monetariamente.

Espera-se do poder público um tratamento mais digno e correto com os direitos e as vantagens dos servidores anistiados, que estão sofrendo nova lesão aos seus direitos individuais.

É chegada a hora de se respeitar as leis e dar o verdadeiro exemplo de que devem ser cumpridas, e não torná-las sem eficácia.

Sendo certo, que o exemplo negativo, no presente contexto, foi dado pelo próprio Estado, que demorou mais de uma década para dar efetividade a Lei nº 8.878/94, em total detrimento à dignidade da pessoa dos anistiados.

Pelo exposto, deve o Estado reparar imediatamente os danos que novamente causam aos seus servidores anistiados.


Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2016.


MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS

• Advogado especializado em Direito Administrativo;

• Vice-Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) - IADP;

• Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; membro do IFA - International Fiscal Association;

• Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e
Seguridade Social;

Cocoordenador da Revista Ibero-Americana de Direito Público - RIADP (órgão de divulgação oficial do IADP).